Por omissão em caso do BVA, TJ-SP mantém contas da KPMG bloqueadas

Por Juliana Borba

Por ter aprovado sem ressalvas a contabilidade do Banco BVA, mesmo depois de saber que as informações contábeis do banco apresentavam distorções, a KPMG Auditores Independentes vai ficar com suas contas bloqueadas. A empresa teve negado, pela 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, o provimento a recurso contra ação ajuizada pelo Ministério Público de São Paulo. O processo foi movido contra todos os administradores e controladores do banco (Benedito Ivo Lodo Filho e José Augusto Ferreira dos Santos), por conta do rombo de cerca de R$ 1,5 bilhão provocado a terceiros.

Com o recurso, a KPMG pretendia obter a liberação de seus ativos financeiros do arresto feito na ação. Mas, em seu voto, o relator desembargador Ênio Santarelli Zuliani foi categórico ao ressaltar a aparente conivência da empresa — por conta de sua omissão — com relação às práticas do banco.

“Auditoria não é formalidade, mas, sim, pressuposto da confiança do mercado investidor. Nas sociedades anônimas de capital aberto, essas inspeções são obrigatórias e regulamentadas pela CVM”, lembrou o relator. “Não é desarrazoado cogitar da magnitude do serviço de auditoria e compará-lo a um agente delegado pelo Estado para conferir segurança aos documentos contábeis reveladores da higidez e normalidade de um banco. Essa diretriz serve, aqui, para entender como razoável a interpretação que oriente para a tutela das vítimas do dano injusto”, ressaltou.

P desembargador lembrou ainda que, de acordo com o Conselho Federal de Contabilidade, é responsabilidade da auditoria externa verificar se a instituição financeira auditada elaborou e apresentou suas demonstrações contábeis individuais de acordo com o Plano Contábil das Instituições do Sistema Financeiro Nacional.

Por conta desse entendimento, o relator votou pelo não provimento, já que no caso de responsabilidade por má ou fraudulenta administração de bancos, os administradores e diretores respondem não propriamente pelas operações que fizeram, mas pelo prejízo causado pelo funcionamento nocivo. “As empresas de auditoria exercem função importante e decisiva nesse setor relacionado ao nexo de causalidade, porque quando abonam os números e as atividades, confirmam os pontos positivos que tranquilizam os interessados e o Poder Público.”, pontuou.

O relator conclui que a culpa do auditor é presumida, tendo em vista que, se a KPMG observasse as normas contábeis, detectaria o erro ou falha no balanço aprovado, “o que obrigaria lançar a dúvida que alertaria não somente os interessados diretos do serviço contratado, como terceiros”.

O desembargador Carlos Teixeira Leite acompanhou o voto do relator e negou provimento ao recurso.  Segundo ele, há “fortes indícios de omissão” no relatório do Banco Central sobre o caso e “elementos sugestivos de responsabilidade” da KPMG. Também votou o desembargador Maia da Cunha.

Clique aqui para ler o acórdão.

Processo: 2103824-53.2014.8.26.0000

Fonte: Consultor Jurídico

Dividendos no contexto do IFRS

Edison Carlos Fernandes

Apesar de ainda existir um longo caminho a percorrer, a adoção do padrão internacional de contabilidade (IFRS) pelas empresas brasileiras já está na pauta do dia. Trata-se de uma preocupação não somente do pessoal ligado à área contábil, mas de todos aqueles envolvidos com a situação econômico-financeira da empresa, especialmente advogados e profissionais das relações com investidores. Do outro lado, os reflexos da implementação dos IFRS também têm sido estudados pelos sócios (acionistas ou quotistas), investidores e pela Receita Federal do Brasil, sendo um ponto importante a distribuição de dividendos.

Lembre-se, desde logo, que o padrão internacional de contabilidade se caracteriza, principalmente, pela relevância do julgamento da administração, no que concerne ao reconhecimento, à mensuração e à divulgação das operações e dos eventos financeiros, pela busca do valor justo dos bens, direitos e obrigações e pela aproximação do resultado do exercício com a geração de caixa. Dessas características decorrem diversos lançamentos que impactam a apuração do lucro (ou do prejuízo) da empresa, dentre os quais se destacam: mudança no critério de depreciação dos bens do ativo imobilizado, inclusive com a estimativa do respectivo valor residual; ajuste a valor presente; avaliação de ativo biológico etc. Com relação aos aspectos societários e tributários do lucro apurado no contexto do IFRS, as questões são: qual a medida desse lucro que deve ser distribuída aos sócios obrigatoriamente e qual a medida desse lucro que estará isenta do imposto sobre a renda.

Do ponto de vista societário, conquanto a modificação da Lei nº 6.404, de 1976, trazida pela Lei nº 10.303, de 2001, que fortaleceu a regulamentação legal da governança corporativa, tenha aumentado os direitos patrimoniais dos sócios, especialmente dos minoritários, essa mesma alteração já garantiu, ao menos em parte, a saúde financeira das empresas. Nesse sentido, na composição do dividendo obrigatório foi ressalvada a parcela de lucros a realizar, desde que constituída a respectiva reserva. Em complemento, a alteração da lei societária promovida pela Lei nº 11.638, de 2007, redefiniu a reserva de lucros a realizar.

Atualmente, constituem a reserva de lucros a realizar o resultado líquido positivo da equivalência patrimonial e o lucro, rendimento ou ganho líquidos em operações ou contabilização de ativo e passivo pelo valor de mercado, cujo prazo de realização financeira ocorra após o término do exercício social seguinte. Em ambos os casos o que se tem é a geração de lucro sem a sua respectiva realização financeira, ou, em outras palavras, sem geração de caixa; o que ocorre no reconhecimento contábil, por exemplo, dos lucros gerados por subsidiária no exterior, pela mensuração de ativo biológico e pelo ajuste a valor presente. Dessa forma, a lei societária optou pela perpetuidade da empresa (preservação financeira) em detrimento dos direitos patrimoniais dos sócios (acionistas ou quotistas).

Do ponto de vista tributário, o Regime Tributário de Transição – RTT estabelece que os registros contábeis efetuados com base nos IFRS não devem ser considerados para fins de apuração dos tributos sobre a receita (Contribuição para o PIS e Cofins) e sobre o lucro (IRPJ e CSLL): trata-se da neutralidade tributária. Ocorre que essa neutralidade tem que ser bem analisada e bem definida: de acordo com a lei de regência, o RTT aplica-se à composição das receitas, dos custos e das despesas, ou seja, aos itens que constituem a apuração dos mencionados tributos. Dessa forma, a neutralidade do RTT não se aplica à matéria de ordem societária com implicação tributária, como são os casos da remuneração de juros sobre o capital próprio, da subcapitalização e da distribuição de dividendos isentos.

Esse entendimento parece ter sido corroborado pela Receita Federal do Brasil com a redação do Parecer Normativo nº 1. Nesse documento oficial, foi admitida a coexistência de duas despesas de depreciação, uma para efeito de determinação da base de cálculo dos tributos sobre o lucro e outra para efeito de determinação dos dividendos a serem distribuídos aos sócios. Como corolário necessário, tem-se que o lucro para efeito de tributação é apurado na forma do RTT, enquanto que, para efeito de distribuição de dividendos isentos do imposto sobre a renda, o lucro será apurado com a observância do padrão internacional de contabilidade.

Edison Carlos Fernandes é advogado, doutor em direito pela PUC-SP, professor da Universidade Mackenzie e da FGV (GVLaw, GVPEC e GVManagement) e autor do livro “Demonstrações financeiras: gerando valor para o acionista”.

Fonte: Valor Econômico

Rural foge da norma contábil e tem lucro

Auditor aponta que haveria prejuízo de R$ 25,5 milhões se provisão fosse jogada no resultado

Carolina Mandl | De São Paulo

A primeira página do balanço do banco Rural, publicado na semana passada, mostra que a instituição teve um lucro líquido de cerca de R$ 3 milhões no primeiro semestre deste ano. Magro, mas ainda assim azul. Mas quem tiver fôlego para chegar até a última página, a de número nove, verá que, para os auditores, a instituição mineira teve um prejuízo de R$ 26,5 milhões.

A diferença de R$ 29,5 milhões a menos no resultado do Rural é alvo de uma ressalva da firma de auditoria que revisou os números do banco, a Ernst & Young. Uma ressalva equivale a dizer que os auditores encontraram um erro na contabilidade da instituição.

O balanço do Rural teve três ressalvas e outros dois parágrafos de ênfase, que são os pontos considerados como incertos pelos auditores. Há muito tempo, segundo dois especialistas em contabilidade de bancos consultados pelo Valor, instituições financeiras não publicavam balanços com ressalvas.

A origem da discrepância dos números está no fato de o banco Rural ter decidido parcelar dívidas tributárias, em vez de discuti-las na Justiça, por considerar que os benefícios da renegociação dos impostos seriam mais vantajosos. Ao fazer isso, porém, o banco teve de reconhecer o pagamento de R$ 29,5 milhões ao governo.

E onde encaixar essa despesa no balanço? Segundo as normas contábeis, esse valor deveria representar um gasto do semestre, o que, portanto, reduziria o tamanho da última linha da demonstração de resultados – aquela que determina a distribuição dos lucros. Se isso tivesse sido feito, o banco teria ficado com um prejuízo de R$ 26,5 milhões, ante R$ 17,3 milhões no vermelho registrados um ano antes.

A opção do Rural foi por descontar os R$ 29,5 milhões diretamente de outra conta, a patrimonial. Dessa forma, o resultado do semestre não foi afetado, o que determinou, ao fim, um lucro líquido de R$ 2,9 milhões do banco.

“Tecnicamente, achamos que temos razão porque o parcelamento se refere a ações judiciais de muitos anos atrás. Não está relacionado a este ano”, diz João Heraldo dos Santos Lima, presidente do banco Rural, que tem um ativo total de R$ 4,5 bilhões, o 47º maior do sistema financeiro do Brasil.

A discussão em torno do parcelamento de tributos, entretanto, não é o único ponto dos números do Rural em discordância com as regras contábeis. A Ernst & Young registrou outras duas ressalvas no balanço do banco.

Uma delas se refere a uma acusação feita pelo Banco Central de fraude em operações de câmbio em 1994. O processo, que agora corre na Justiça, foi considerado pelos advogados do banco como de perda “possível”, o que não requer provisão pelas normas de contabilidade. Mesmo assim, o banco reservou R$ 27 milhões para arcar com o custo do processo, reduzindo seu patrimônio.

Lima diz que o banco decidiu ser mais conservador, por isso optou por já fazer a provisão. No balanço, o banco diz que as provisões foram feitas por determinação do Banco Central, em abril de 2010. Procurados pela reportagem, a Ernst & Young e o Banco Central informaram que não se pronunciariam sobre o assunto.

Outro ponto ressalvado pela auditoria se refere a R$ 130 milhões que o banco tem em provisões e em depósitos judiciais. Por falta de documentação, a auditoria não conseguiu checar esse valor.

Além disso, a Ernst & Young ainda acrescentou ao balanço do Rural dois parágrafos de ênfase – pontos considerados de incerteza pelos auditores -, em relação ao ganho de créditos tributários.

As ressalvas dos auditores vieram em um semestre em que o Rural sofreu perdas com as operações de crédito com desconto direto na folha de pagamento. O chamado consignado trouxe uma perda de R$ 11,8 milhões para o banco. Já as transações com o crédito para empresas e com câmbio geraram ganhos de R$ 14,7 milhões. O resultado operacional do banco ficou negativo em R$ 15,3 milhões.

Fonte: Valor Econômico